quarta-feira, 24 de abril de 2013

O Guru e o Chela II




O Guru e o Chela II



Parece estar claro que “guru” é a realidade transcendente interna, que se manifesta, podendo, todavia, repercutir externamente. Trata-se do real, que se manifesta sempre que a sombra da ilusão se manifesta.
Logo, a rigor, a idéia de guru e chela é ilusória, posto que é a pura manifestação do Uno que se faz dual por força do estágio mental individual.
Ninguém pode mudar ninguém, pois não existe o “transformar-se” em algo, mas apenas o eterno Ser, além do tempo e espaço.
Entretanto, insistimos na velha forma de ouvir de outrem (magister dix), o que fazer ou o que devemos nos tornar, o que faz de nossa existência uma constante insatisfação, frustração, competição, permeada por ansiedade por expectativas irrealizadas.
Vivemos o desejo do irreal e, portanto, irrealizável, quando basta olhar para si mesmo e a verdade se mostra.
Magister dix (o mestre disse), é um princípio falso de se atribuir autoridade a outrem e que nos conduz somente á infelicidade e frustração, dentro de um sistema ansioso e irrealizável, mas de pura ilusão.
Não podemos mudar a nós mesmos e menos ainda aos outros, mas tão somente encontrar a nossa realidade, sem nos impor a outrem, pois a ele  deve caber olhar para Si, com liberdade total.

sexta-feira, 19 de abril de 2013

O GURU E O CHELA

O Guru e o Chela



Já discutimos aqui que dharma quer dizer função (intrínseca) e que karma, que significa literalmente ação (ou conduta), é a resultante do exercício do dharma ou não.
É do exercício do dharma que surgem os relacionamentos. Na Sarva Yoga é dito que a realização é resultante da tríplice utilidade (ao Cosmo, a Si e ao próximo).
Evidentemente só existe a tríplice utilidade se o ser identificar e viver o seu dharma.
No Oriente, em especial na Índia, surge, dentre os relacionamentos espirituais, o estabelecido entre o guru e o discípulo ou chela.
Guru, literalmente, quer dizer o dissipador de trevas e, por isso mesmo, não é um indivíduo determinado, mas uma função interna que diz respeito a todo ser. Todos nós, em essência, temos um “dissipador de trevas”, um Guru, ou seja, a voz do discernimento, da consciência individual, o jivatman.
Entretanto, no jogo cósmico que se realiza no plano sensorial e material, muita vez, o ser interno identifica  em outrem o jivatman desperto e unificado.
Como tudo é a unidade, o guru externo e o interno são o mesmo, tratando-se de mero estratagema dos bhaktas (devocionais), projetar sua consciência no guru externo o jivatman  consciente.
Ramana Maharishi disse muitas vezes que não existia guru e chela e que todos eram o mesmo, mas ao ser perguntado por um dos residentes a razão de dar a upadesa (benção do guru) ele respondeu: Não existe diferença sob o meu ponto de vista, mas existe do seu.
O guru não comanda, não ordena, interage com o chela, ou o discípulo com ele, de modo que a realidade interna reflita no guru, e retorne clarificada para o postulante.
Entretanto a inteireza de tal relacionamento só é possível quando um ser realizado possui tal dharma e atrai naturalmente outros que possuem o karma/dharma correspondente.


O guru não ordena, comanda ou exerce uma função hierarquicamente superior, mas, tão somente, reflete a integralidade e harmonia que o chela, por sua prisão à ilusão dual não pode perceber em si e começa a fazê-lo por meio do Ser liberto que é o Guru.
Todavia, em determinado momento, ele deverá reconhecer a não dualidade e por termo ao relacionamento ilusório para compreender que apenas um age, apenas um vive e que o que está no outro, nele se encontra do mesmo modo.
No Ocidente e, pelo que soube, até na Índia tal relacionamento vem sendo distorcido.
Pela nossa conduta hierarquizada, subordinadora e autoritária, concebemos um guru que comanda os seus discípulos e que dele recebe honrarias, senão bens materiais, mas sempre esperando receber algo em troca.
Isso quando não é alguém com um viés de quiromante ou presdigitador.
O guru não é alguém que está ali para predizer o futuro ou dizer o que o discípulo deve fazer e menos ainda dar ordens ou exigir obediência.
A conduta autoritária de uns, a subserviência passiva de outros não são características de tal relacionamento e adulteração ou falseamento dele, além de se constituir em violação do dharma, trás graves consequências à psique dos envolvidos ou mesmo de natureza cármica.
A verdade é que para o ocidental pragmático e racionalista, é difícil viver tal relacionamento e a tentativa artificial de sua construção, em regra, violenta a natureza do ocidental e cria um arremedo de relação feudal (amo/servo), baseada no poder e não no amor transcendental, como deveria ser.
Por isso, vez por outra nos deparamos no Ocidente com os estragos de tal relacionamento e, mais ainda, com a alienação do discípulo e o retraimento do desenvolvimento humano, quando a realidade é o oposto.




quarta-feira, 17 de abril de 2013

Dharma e Karma II

Dharma e Karma

O dharma não pode ser despertado, ele está ligado ao conceito original de castas em vigor na Índia quando da elaboração do Bhagavad Gita. Ele pode apenas ser compreendido quando da consciência do Si.
A partir de então a cadeia de eventos que se seguem são deflagradas por uma consciência plena (karma).
O verdadeiro karma yogue agi em função de seu dever, dharma e nuna fundado em qualquer objetivo ou resultado.
No Ocidente, em razão da era industrial,  interpretou-se o dharma como uma questão profissional ou funcional e como somos individualistas, competitivos e nossa sociedade hierarquizada, causamos um conflito interno ao supor que o indivíduo sempre tem que produzir materialmente, galgar graus em uma carreira, etc. para que possa realizar o seu dharma.
Nada mais equivocado. Trata-se, simplesmente, á partir do Si, ocupar o seu lugar no Cosmo e nada mais, fazendo parte da rotação das engrenagens que permite a expansão da vida.
Com isso, para nós, como não poderia deixar de ser, o ocidental imagina que o karma é a reação das suas ações que sempre voltará para ele, mas na verdade, não existe este ele, e as ações giram em torno do eixo central que expede e recebe vida eternamente.
Pensa, ao interpretar as leis do renascimento, que aquela mesma personalidade haverá de incorporar  de novo a matéria e dar continuidade à sua saga.
Para o budista e o hinduísta original, tudo se passa em função da expansão contínua da vida que se manifesta, constantemente, na matéria densa ou sutil.
Muitos renascimentos implicam na manifestação constante da Vida no plano mais denso e, toda vez que a Vida abandona aquela parcela de matéria, ela retorna em outra, ou em outras, tudo em razão da funcionalidade (dharma e karma).





O maior ato de ahimsa (não violência) consiste em compreender quem é e viver de acordo, pois de outra forma viveremos a eterna agressão de auto violentar-se, gerando todas as etapas de violência posteriores.
A maior experiência de satya (verdade) é viver de acordo com a real e profunda consciência do Si.
O maior sacrifício (sagrado ofício ou fazer a coisa sagrada), é viver de acordo com o seu dharma, cumprindo, pois o karma individual e coletivo.
Essa é a essência do pensamento constante no Bhagavad Gita quanto á tais conceitos e princípios.
Cabe a cada um vive-los na medida de sua compreensão.
Só assim haverá Paz no coração do Ser e, por conseqüência, no mundo.
Como saber se vive na consciência plena e se vive conforme o seu Dharma?
Existe conflito interno, violência nos recônditos da mente, a paz e a harmonia não estão presentes? Então esta parte do Ser permanece intocada






segunda-feira, 15 de abril de 2013

DHARMA, UTILIDADE,KARMA E REENCARNAÇÃO

DHARMA, UTILIDADE, KARMA E REENCARNAÇÃO



Pode parecer paradoxal, mas este texto não pretende responder ou esclarecer qualquer coisa em relação aos temas que compõem o seu título, mas apenas demonstrar o seu caráter conceitual e histórico, para que o leitor possa meditar sobre o assunto.
Talvez o texto oriental que demonstre de forma mais clara e incisiva o conflito entre tais temas seja o Bhagavad Gita (Divina ou Sublime Canção, conforme a tradução).
O nosso panorama se revela quando Arjuna, aterrorizado por ter que enfrentar os seus parentes e amigos no campo de Kurukshetra, diz a Kirishna (um avatar ou encarnação divina), que não lutará e atira o seu arco ao chão.
Daí surge toda a questão, pois Arjuna nasceu um Kshatrya (classe dos guerreiros), daí decorrendo o seu dharma.
Como guerreiro, sua função é bater-se no campo de batalha, pois para isso foi preparado toda a sua vida, entretanto, quando se depara com a situação real, posto que teria que suprimir a vida daqueles a quem amava, questiona a validade de tudo aquilo.
Krishna, entretanto,o convence, fazendo-o ver a partir de seu dharma.
Vejam que o princípio em questão, liga-se ao sistema original de castas, pois se alguém já nasce com determinada função, deve cumpri-la.
A casta não diz o que o ente é, mas qual o seu dever, sua função e, portanto, ele deve realizá-lo com devoção, entrega, determinação e sapiência.
Arjuna era um guerreiro e para isso foi preparado, visto que esta é função (dharma) que lhe coube naquela existência.
Assim, cabe a cada qual exercer a sua função ao longo de sua existência, encontrando sua realização nela.
Nada do que tinha se passado na vida de Arjuna, até aquele momento tinha fim em si mesmo, senão para conduzi-lo ao campo de Kurushetra, onde ele iria viver o momento culminante da sua existência.
Entretanto, naquele momento surgiu o conflito.
Curiosamente, Arjuna se sentia realizado e útil até então, mas na verdade sua utilidade era ilusória, posto que ainda não travara as batalhas para as quais fora preparado.
Contudo, agora ele se recusava a ir à luta, e tudo por apegos e convenções sociais.
Foi naquele momento crucial que a verdade se revelou a Arjuna por meio de Krisnha, o seu Guru (dissipador das trevas) e condutor de seu carro.
Curiosamente, o momento em que o Ego se sente mais enfraquecido, se sente inútil e sem saída, é também quando, na maioria das vezes a verdade se revela.
Muitas vezes nos sentimos inúteis e procuramos refúgio em uma atividade paralela ao invés de por nos à nu diante de nós mesmos.
Domenico de Mais, no seu livro “O Ócio Criativo”, comenta o fato de que algumas pessoas dão empregos à jovens que se limitam a apertar botões dos andares do elevador, para lhes dar uma falsa noção de dignidade e de utilidade.
Tal questão se torna mais grave, quando a noção de utilidade que temos no ocidente nada tem a ver com a noção do Dharma vinda do oriente.
Enquanto o Dharma diz respeito à função íntima espiritual do ser, seu lugar no jogo cósmico da existência, a “utilidade” do ocidental se refere á importância da pessoa (escrevi pessoa de propósito) para o capital e meios de produção.
Sob a ótica do capital talvez Ramkrishna, Buda, Jesus, Ramana, Aurobindo, Krishamurthi e outros não teriam utilidade nenhuma, mas sob a ótica oriental do Dharma, ou seja, sua função no jogo cósmico, a resposta é outra.
Obviamente, o conceito de karma se liga ao de dharma, visto que o exercício da função faz girar as engrenagens cósmicas para o funcionamento de tudo quanto existe.
Karma nada tem a ver com punição, mas com o entrelaçamento das condutas de todos os entes que existem em todos os planos da existência e que, por isso, fazem girar a roda eterna da vida.
Com diz Ram Dass no seu livro “Caminhos para Deus”, é como a expansão da maré, das ondas e marolas, isso é o Karma e a expansão das águas a reencarnação.
Reencarnar é o nascer renascer da vida que é una e eterna.